segunda-feira, 1 de outubro de 2007

CRÔNICA DE UMA PAIXÃO

31 de dezembro de 2006, 23h59m. Em uma luxuosa cobertura situada nas adjacências da orla de Maceió, eu refleti. Lembrei-me do pedido do dia primeiro de janeiro de 2006, ao orar pela primeira vez no ano. Falei com Deus, como se fôssemos amigos íntimos. "Muito obrigado por este ano que passou. Mesmo com aquela roubalheira, eu considero o Inter campeão brasileiro. Você atendeu meu pedido. Agradeço muito por ter me dado esta alegria, mas lhe peço apenas uma a mais. Sei que é muito difícil, mas peço que o Inter receba justiça e seja campeão do mundo". E, ao longo do ano, vi Deus realizar meu pedido, pouco a pouco.

No Gauchão, naquela noite de 9 de abril, pego-me mais uma vez conversando com Ele: "Senhor, não tenho nada a reclamar de hoje. Sei que não pedi que o Inter fosse campeão gaúcho, mas este seria um título importante. Mas desculpe-me mais uma vez por incomodar-lhe, porém reitero meu pedido, que o Inter seja campeão da Libertadores e do Mundo".

O tempo foi passando. A cada partida do Inter, fosse na Libertadores ou no Brasileiro, pedia uma ajuda divina. Eu considerava aquilo fundamental para conquistar as vitórias, que vinham em grande quantidade. Até que veio a Copa do Mundo. E vi-me em um dilema: eu não pedi para o Brasil ser campeão do mundo, mas sim o Inter. Pensei um pouco e concluí assim que um título mundial para o Inter daria alegria para pouca gente, se comparado à quantidade de gente que comemoraria o hexa. Falei com o meu amigo Deus e deixei esta opção em suas mãos.

Certa noite, em junho, deitado sobre a minha cama e na escuridão absoluta do meu quarto, desejei viajar para Porto Alegre para ver uma partida de futebol: Internacional x LDU. Mas não fiz este pedido à Deus. Não. Este já estava sobrecarregado de tantos pedidos. Sobrou pro meu pai, no dia seguinte. Mesmo "preferindo" que o Brasil fosse campeão, eu queria ir para o Beira Rio. Coisa de louco? Eu diria que não. Coisa de colorado.

E assim, o Brasil fora eliminado, com direito a um baile francês. E veio a notícia que eu iria para Porto Alegre, junto do meu irmão. Ou melhor, São Leopoldo, onde ficaríamos na casa de familiares. Aguardei uma semana (interminável) para viajar.

Assim, me levantava da cama no dia 6 de junho. Iria viajar para Porto Alegre. Levantei-me e tomei o último banho em solo maceioense. Ao sair de casa e olhar para o céu, vejo nuvens, nuvens e mais nuvens. E começa a chover. Chegando ao aeroporto, recebemos a notícia de que o vôo seria possivelmente cancelado, pois a chuva não dava possibilidades do avião pousar. Só nos restava aguardar.

Fechei os olhos. Comecei a resmungar para mim mesmo. Será que aquilo não era um sinal? Será que eu não pedi demais? Será que o Inter não seria campeão do mundo, tampouco da Libertadores? Conversei mais uma vez com Deus. Pedi que eu pudesse viajar. Apenas isso. E Ele atendeu meu pedido. A chuva parou, o avião pousou. E eu parti. Feliz. Iria realizar um sonho: ver o meu Inter no Beira Rio.

Seis dias depois, sonho realizado: Inter 2x0 Ponte Preta. Ao menos, pé frio eu não era. Mas este não era o jogo importante, não. "O" jogo seria uma semana mais tarde. Dia 19 de junho de 2006.

Mas antes do jogo, que por si é apenas um detalhe, outra conversa divina. E esta foi profunda. Deitado sobre a confortável e aquecida cama do quarto de visitas da minha tia, eu rezei. Com toda a minha fé. Todas as orações que eu conhecia. E no fim, pedi apenas uma coisa: que o Inter se classificasse às semi-finais da Copa Libertadores da América. Era meia noite do dia 19 de junho de 2006: o dia mais feliz da minha vida.

Sobre a Popular, fiquei sem voz. Cantei com a mesma fé com que algumas horas atrás eu rezava deitado sobre uma cama. Até que ali, na minha frente, Rafael Sóbis parte com a bola. Toca uma, duas vezes na bola. Ajeita o pé. Chuta. É gol do Inter, é o gol da classificação! Sinto uma emoção que jamais senti na minha vida. Uma emoção que se contagiou por 50 mil colorados ali presentes. 50 mil vozes se uniram, abalando o esquadrão equatoriano. Resultado: Inter 2x0 e entre os 4 melhores da América.

No outro dia, a volta pra casa. Despedi-me dos meus tios, primos e amigos, e rumei novamente para Maceió. Parecia um jornaleiro de tantos jornais que eu tinha em punho para recordar aquele momento. Depois, julguei-os desnecessários, pois aqueles 90 minutos foram inesquecíveis.

Voltei para Maceió. Com a ajuda de orações, o Inter bate o Libertad no Beira Rio: novamente 2x0. Tive que aturar os meus colegas são-paulinos durante uma semana em que segundos se transformaram em minutos, em que dias pareciam intermináveis e em que o tempo parecia imóvel. Depois de tanto esperar, converso mais uma vez com Deus no dia 8 de agosto: o que eu falei eu não me lembro, mas tenho certeza que acreditava no time colorado. Acreditava em uma vitória épica no Morumbi. Tinha fé no Inter.

Fé que espalhou-se por todos os colorados no inesquecível 9 de agosto de 2006: Rafael Sóbis silencia o Morumbi. Silencia também a meus amigos são-paulinos, que no alto de sua soberba diziam que o São Paulo iria golear na partida de volta. Enquanto isso, vivia novamente uma semana que não terminava. E no dia 15 de agosto, preferi ficar calado. Não pedi nada à Deus. Tinha fé no Inter. Ele não mais precisaria de ajuda divina. Preferi não ocupar a Deus com meus intermináveis pedidos. E o dia 16 de agosto acabou com uma semana que parecia não ter fim. Por isso que dizem que este é o dia sem fim, creio eu. Ah, mas ele acabou. Infelizmente. E muito cedo. Agradeci como nunca a Deus, já no dia 17. Mas o meu sonho não tinha acabado, tinha apenas começado.

Dito e feito. Quatro meses depois do dia sem fim, lá estava eu, no auge da minha fé. Lembrei à Deus da nossa conversinha do início do ano. Não era agora, que estava tudo tão perto, que ele iria desfazer o nosso acordo. Estávamos juntos do início ao fim, eu e Ele. Tanto que dormi tranqüilo. Por incrível que pareça, não tive insônia, somente desta vez.

"Índio chuta de qualquer maneira para o meio do campo, de cabeça interrompeu Adriano Gabiru, tocou para Luiz Adriano, pro Iarley, olha o gol do Inter pintando! Luiz Adriano está livre, lá vai Iarley, tocou no Gabiru vai marcar o gol, atirou é gol! GOOOOOOOOOOOL...". Este é o relato dos 15 segundos mais felizes de toda a minha vida. Ao ver aquela bola, coincidentemente vermelha e branca, tocar levemente os barbantes de Yokohama, senti a felicidade suprema. Absoluta. Tenho a certeza que nunca vou sentir nada igual pelo resto da minha vida. Minha existência tornou-se inútil a partir deste momento. Eu não sou nada perto do tamanho da fé colorada. A fé move montanhas, dizem. A fé colorada, esta conquista o mundo.

Na noite daquele dia, a felicidade com que agradeci a Deus é incalculável. Eu era campeão do mundo! Ele atendeu ao meu pedido, quando até eu subestimei tal possibilidade.

A partir daí, pensei. Será que só fui eu que conversei com Deus no 1º dia de 2006? Será que só fui eu que pedi que o Inter compensasse com a Libertadores o Gauchão perdido? Será que a semana entre 3 e 16 de agosto só foi interminável para mim? E concluí que aqueles 15 segundos não foram a felicidade absoluta de um só espírito. Que não fui apenas eu que falei com Deus antes de todos os jogos do Inter no ano. Não fui eu sozinho que enfrentei noites de sono perdidas, nas quais o pensamento parecia não querer desviar do foco do Beira Rio. A partir deste momento, tive a certeza de que, ao escolher que o Brasil merecia ser campeão, pois mais gente ficaria feliz, eu estava equivocado. A torcida colorada por si só é uma Nação. Aposto tudo que os colorados tiveram uma felicidade muito mais intensa ao ver o Inter campeão do que qualquer brasileiro teria com a conquista na Alemanha. Percebi que ser colorado é muito mais do que conquistar títulos: é vivê-los. É viver o Inter, viver as semanas de expectativa, viver as noites de insônia e viver uma fé cujo tamanho já não cabe mais no planeta Terra. Ser colorado é simplesmente inexplicável.

"Voltando" ao dia 31 de dezembro. Lembrei, às 23 horas e 59 minutos, de todo o ano de 2006. E comecei a chorar. Vi um prenúncio do ano de 2007. O ano que estava nos segundos finais jamais poderá ser alcançado ou revivido. Ali, nós estávamos no topo. Senti um baque na mesma hora. Quem está no topo, certamente um dia cairá. E a felicidade que eu me encontrava no início do último minuto de 2006 acabou. 2007 não será bom.

"Feliz Ano Novo!". Era o que todos diziam. Com um sorriso amargo, também desejava isto a todos. Triste. Esta é a palavra que melhor descreve a minha situação. 2006 acabara, o ano mais feliz da minha vida tinha ficado para trás, apenas na memória. O filme não parava de passar na minha cabeça, e a todo instante eu falava para mim mesmo que 2007 seria terrível.

Tentei repetir a conversa de exatamente um ano atrás com Deus. Não com a mesma fé. Não acreditava mais. Pedi, mas superficialmente. Vi a felicidade absoluta do dia 17 do mês passado acabar. E assim dormia no primeiro dia do novo ano: em uma tristeza absoluta.

Tristeza que tomou conta da minha fé durante a fatídica campanha no Gauchão. Tristeza que só aumentou com a desclassificação da Libertadores, mesmo com uma das melhores campanhas da 1ª fase. Tristeza que disfarçou-se na conquista da Recopa, e voltou pouco a pouco na péssima campanha no Campeonato Brasileiro. Que parecia que ia acabar quando o Abel voltou, prometendo reincorporar o espírito de 2006 na equipe. Mas que voltou com tudo no último minuto da partida contra o Atlético, no Mineirão. Que estendeu-se pela semana seguinte. Até o jogo contra o São Paulo.

No dia 29 de setembro de 2007, lá estava eu, rezando. Mas o sono me pegou de surpresa. Não fiz o pedido para que o Inter vencesse o São Paulo no dia seguinte. Quando acordei, liguei a televisão. Vi que o Brasil feminino estava jogando a final da Copa do Mundo. Lembrei que não tinha feito o pedido. Assim, pressionado pelo narrador da televisão, que exaltava a cada instante o nacionalismo brasileiro pedi para que o Brasil vencesse. Mas nada feito. Gol da Alemanha. E logo depois, Marta, a melhor jogadora do mundo, perde um pênalti. Me vi novamente em 2006. Voltei atrás e pedi a vitória colorada.

E agora, aqui estou eu. Furioso depois da derrota colorada, com a ajuda clara do juiz. Mas feliz. Ao ver o time em campo hoje, a tristeza desapareceu. A fé colorada voltou. A indignação contra o "eixo", a vontade de vencer, a torcida que une 50 mil vozes em uma. O Inter de 2006 voltou.

Ao escrever a data atual em um dever escolar, me pego escrevendo o ano de 2008. Sinto um calafrio. 2007 acabou. Aquele ano que começou com a tristeza absoluta acabou. Hoje, para o Inter, começou 2008. E que a volta da alegria, da vontade de vencer e a manifestação da fé colorada na voz de 50 mil pessoas no dia de hoje não foi mera coincidência. Não foi o Inter de 2006 que voltou. Não, este nunca voltará. Foi o Inter de 2008 que chegou.

E agora, como no dia 1 de janeiro de 2006, irei dormir. Como naquele dia, rezarei com muita fé. Pois agora, na madrugada do dia 1º de outubro, 2008 está começando para a Nação colorada. Prepara-te colorado, pois 2008 vem aí.

E o que acontecerá nele? Só Deus sabe.

FELIZ 2008, COLORADOS!


Artur Duarte

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